Leitura indispensável :
LIVRO : - PAIXÕES ALEGRES - Autor : José Antônio de Souza. Editora Globo. 1996.
- PAIXÕES ALEGRES - Inusitada história de amor, Paixões Alegres de José Antônio de Souza, conta a paixão de um menino interiorano de 13 anos por uma mulher paulista de 25 anos. É um amor clandestino, cheio de peripécias, num livro que discute o significado do tempo e conceito de liberdade.
- EXCELENTE HISTÓRIA! -
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
SITE TUBO -------- Vídeos,Fotos,Matérias Interessantes,Curiosas E Misteriosas.
- PÁGINA DO COLUNISTA DO SITE TUBO -
TUBO - COLUNISTA: ARNALDO JABOR - PÁGINA DE CRÔNICAS COM O JORNALISTA E CINEASTA CONHECIDO EM TODO BRASIL ARNALDO JABOR ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
BIOGRAFIA : - ARNALDO JABOR - Carioca, nascido em 1940 , o cineasta e jornalista ARNALDO JABOR já foi técnico de som,crítico de teatro,roteirista e diretor de curtas e longas metragens. Na década de 90, por força das circunstâncias ditadas pelo governo Fernando Collor de Mello, que sucateou a produção cinematográfica nacional, Jabor foi obrigado a procurar novos rumos e encontrou no jornalismo o seu ganha-pão. Estreou como colunista de O Globo no final de 1995 e mais tarde levou para a TV Globo, no Jornal Nacional e no Bom Dia Brasil, o estilo irônico com que comenta os fatos da atualidade brasileira.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------
VEJA ABAIXO, TEXTOS E VÍDEOS DE ARNALDO JABOR -
---------------------------------------------------------------------------------------------------------
VÍDEO COM COMENTÁRIO DE ARNALDO JABOR NO JORNAL DA GLOBO : O jornalista ARNALDO JABOR falando umas verdades que dói em muitos . Muito bom. Não deixe de ver !. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
O homem do shopping center de luxo, antes de contratá-lo para a semana pré-natalina, achou-o meio sem graça, mas, por causa de sua imensa barriga e sua barba amarelada e suja, e também porque não tinha outro em vista, acabou achando que dava para ajeitá-lo como um Papai Noel legal.
"Um banho e uma boa lavada de barba devem dar para quebrar seu galho", disse-lhe o homem do shopping, como se lhe fizesse um favor. E continuou:
"Você vai ficar sentado aí no meio desse cercadinho, cheio de veadinhos de plástico; põe as crianças no colo e faz-lhes sempre a pergunta: ‘Que que você quer ganhar no Natal?’. Aí, a criança diz, e você manda ela ser obedientezinha, que não pode sacanear a mamãe e o papai, não pode dar porrada na irmãzinha mais moça... E aí você passa a mão na cabeça dela e ri bem alto: ho ho ho. Faz!"
"Faz o quê?", perguntou o aspirante a Papai Noel.
"Ri", disse o homem.
"Ho ho ho"...
"Tá uma bosta, parece que você está tossindo... Faz de novo!".
"Ho ho hooooo!".
"Melhorou, mas treina em casa... Deixa eu cheirar. Não pode ter mau hálito, pois você é o bom velhinho. Bochecha bem ou come uma maçã antes... Você tem de ficar aqui de uma hora da tarde até às 9 horas da noite, sentado, pode sair para ir ao banheiro, mas vai andando lentamente e disfarça, porque fica feio Papai Noel mijando aí pelo shopping. Aliás, você vai ali no almoxarifado, naquela porta, que lá dentro tem banheiro. Depois volta, e lava as mãos...
Outra coisa é que não pode ficar olhando para as mães boazudas que vierem falar com você. Muitas mães vêm de calça justa e barriga de fora, que é a moda hoje, com aquela tatuagem aparecendo na bunda, mas não pode perguntar que tatuagem é aquela nem o que ela quer para o Natal, se ela gosta de peru, ou se vai ter rabanada na mesa, nada disso, tem de fazer cara de bom velhinho, dando risadinha, e não pode tirar os óculos nem o gorro; aviso que vai fazer calor, porque estão consertando o ar condicionado do shopping... Segura as pontas, se enxuga discretamente.
E tem também umas menininhas mais grandinhas, de 12, 13 anos, que gostam de sentar no colo do Papai Noel... Elas vêm em grupo e ficam rindo e sentando no seu colo, meio com má intenção, mas finge que não percebe nada, porque tem o segurança ali te vigiando, apesar que tem umas que têm um perfume divino, uns cabelos lindos e gostam de ficar fazendo festinha nas barbas brancas do Papai Noel (ele bem que sentiu esse perfume e esses dedinhos juvenis em seu rosto nos dias seguintes, mas obedeceu ao chefe...).
E toma cuidado também com uns garotos mauricinhos que ficam puxando a tua barba perguntando se é de verdade, não pode empurrar o menino do colo e tem de rir ho ho ho e dizer suavemente: ‘Existo sim, bom menino...’.
E também não pode paquerar babás que gostam de dar bola para Papai Noel, a fim de descolar um presente; não sei o que elas veem em Papais Noéis, mas é verdade (claro que teve uma que ele cantou, aproveitando a distração do segurança, e ela fugiu rindo: "Eu, hein, Papai Noel... com essa barba, tu não dá mais no couro...").
Aliás, aviso também que, no fim de semana, vem aí uma Mamãe Noel fazer par com você (foi o maior problema, pois a Mamãe Noel ficava se esfregando nele e lhe dando beijinhos chilreados na frente das criancinhas, e ele só no ho ho ho... foi uma barra, mas a Mamãe Noel foi logo despedida porque bebia...).
E tem mais, naquela loja ali, tem um Papai Noel privado deles, um magro, folgado, que gosta de passar aqui e sacanear, e ele vai perguntar se você vai ter ‘boas entradas’ neste ano, se a rena do trenó, quando galopa, na bunda sua, essas coisas... mas não reage... só ri... finge que não entende. Faz de novo ho ho ho!".
"Hooo...hooo...ho...".
"OK, amanhã você começa".
Tudo que Orígenes Santos da Silva, o Papai Noel, disse para o homem do shopping foi: "Falou!"
Afinal, ele precisava dos oitentinhas por dia que lhe pagariam, pois o homem falou que era o que dava para pagar, pois os Papais Noéis, hoje em dia, estão pela hora da morte, e ele concordou constrangido, sentindo se mais barato, mas tudo bem... ia faturar uns R$ 560, com um prato feito no almoço, ali na loja do espaguete, durante a semana... Tudo bem...
E assim estreou no dia seguinte como Papai Noel.
Mas muita coisa que o homem do shopping não tinha previsto aconteceu, como os punks doidões que lhe beliscaram e xingaram, perguntando se ele era veado, ou o maluco que arrancou o gorro dele e fugiu gritando, com o segurança correndo atrás, ou a crise intestinal que o fez ir cinco vezes ao banheiro do almoxarifado...
No fim do primeiro dia, recebeu sua graninha, botou sua roupa civil, pegou o ônibus que o levou até a periferia e foi direto ao boteco, onde tomou um limãozinho e uma cerveja. Ficou muito tempo olhando a cidade iluminada lá longe.
Foi dormir no quartinho alugado no fundo do boteco, ansiando pelo dia seguinte, quando voltaria a se sentir importante, festejado, bajulado, beijado, respeitado.
Dormiu na madrugada e sonhou com um imenso shopping colorido, onde ele sentia as mãos de adolescentes afagando sua barba, perfumadas, cantando como pássaros alegres, com olhos estrelados, ninfas flutuantes em seu colo, como bem tinha dito o homem do shopping quando o contratou.
--------------------------------------------------------------------------------------------
O colunista Arnaldo Jabor está em férias. Como compensação, estamos republicando alguns de seus artigos, escolhidos pelo próprio autor. ---------------------------------------------- Texto extraído do Jornal O Tempo de Belo Horizonte do dia 28/12/2010. -------------------------------------------------FIM-------------------------------------------------------
- NOSSOS DIAS MELHORES NUNCA VIRÃO? -
Ando em crise, numa boa, nada de grave. Mas, ando em crise com o tempo. Que estranho "presente" é este que vivemos hoje, correndo sempre por nada, como se o tempo tivesse ficado mais rápido do que a vida, como se nossos músculos, ossos e sangue estivessem correndo atrás de um tempo mais rápido.
As utopias liberais do século 20 diziam que teríamos mais ócio, mais paz com a tecnologia. Acontece que a tecnologia não está aí para distribuir sossego, mas para incrementar competição e produtividade, não só das empresas, mas a produtividade dos humanos, dos corpos. Tudo sugere velocidade, urgência, nossa vida está sempre aquém de alguma tarefa. A tecnologia nos enfiou uma lógica produtiva de fábricas, fábricas vivas, chips, pílulas para tudo.
Temos de funcionar, não de viver. Por que tudo tão rápido? Para chegar aonde? A este mundo ridículo que nos oferecem, para morrermos na busca da ilusão narcisista de que vivemos para gozar sem parar? Mas gozar como? Nossa vida é uma ejaculação precoce. Estamos todos gozando sem fruição, um gozo sem prazer, quantitativo. Antes, tínhamos passado e futuro; agora, tudo é um "enorme presente", na expressão de Norman Mailer. E este "enorme presente" é reproduzido com perfeição técnica cada vez maior, nos fazendo boiar num tempo parado, mas incessante, num futuro que "não pára de não chegar".
Antes, tínhamos os velhos filmes em preto-e-branco, fora de foco, as fotos amareladas, que nos davam a sensação de que o passado era precário e o futuro seria luminoso. Nada. Nunca estaremos no futuro. E, sem o sentido da passagem dos dias, da sucessibilidade de momentos, de começo e fim, ficamos também sem presente, vamos perdendo a noção de nosso desejo, que fica sem sossego, sem noite e sem dia. Estamos cada vez mais em trânsito, como carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa, e cada vez mais nossa identidade vai sendo programada. O tempo é uma invenção da produção. Não há tempo para os bichos. Se quisermos manhã, dia e noite, temos de ir morar no mato.
Há alguns anos, eu vi um documentário chamado Tigrero, do cineasta finlandês Mika Kaurismaki e do Jim Jarmusch sobre um filme que o Samuel Fuller ia fazer no Brasil, em 1951. Ele veio, na época, e filmou uma aldeia de índios no interior do Mato Grosso. A produção não rolou e, em 92, Samuel Fuller, já com 83 anos, voltou à aldeia e exibiu para os índios o material colorido de 50 anos atrás. E também registrou, hoje, os índios vendo seu passado na tela. Eles nunca tinham visto um filme e o resultado é das coisas mais lindas e assustadoras que já vi.
Eu vi os índios descobrindo o tempo. Eles se viam crianças, viam seus mortos, ainda vivos e dançando. Seus rostos viam um milagre. A partir desse momento, eles passaram a ter passado e futuro. Foram incluídos num decorrer, num "devir" que não havia. Hoje, esses índios estão em trânsito entre algo que foram e algo que nunca serão. O tempo foi uma doença que passamos para eles, como a gripe. E pior: as imagens de 50 anos é que pareciam mostrar o "presente" verdadeiro deles. Eram mais naturais, mais selvagens, mais puros naquela época. Agora, de calção e sandália, pareciam estar numa espécie de "passado" daquele presente. Algo decaiu, piorou, algo involuiu neles.
Lembrando disso, outro dia, fui atrás de velhos filmes de 8mm que meu pai rodou há 50 anos também. Queria ver o meu passado, ver se havia ali alguma chave que explicasse meu presente hoje, que prenunciasse minha identidade ou denunciasse algo que perdi, ou que o Brasil perdeu... Em meio às imagens trêmulas, riscadas, fora de foco, vi a precariedade de minha pobre família de classe média, tentando exibir uma felicidade familiar que até existia, mas precária, constrangida; e eu ali, menino comprido feito um bambu no vento, já denotando a insegurança que até hoje me alarma. Minha crise de identidade já estava traçada. E não eram imagens de um passado bom que decaiu, como entre os índios. Era um presente atrasado, aquém de si mesmo. A mesma impressão tive ao ver o filme famoso de Orson Welles, It's All True, em que ele mostra o carnaval carioca de 1942 - únicas imagens em cores do País nessa década. Pois bem, dava para ver, nos corpinhos dançantes do carnaval sem som, uma medíocre animação carioca, com pobres baianinhas em tímidos meneios, galãs fraquinhos imitando Clark Gable, uma falta de saúde no ar, uma fragilidade indefesa e ignorante daquele povinho iludido pelos burocratas da capital. Dava para ver ali que, como no filme de minha família, estavam aquém do presente deles, que já faltava muito naquele passado.
Vendo filmes americanos dos anos 40, não sentimos falta de nada. Com suas geladeiras brancas e telefones pretos, tudo já funcionava como hoje. O "hoje" deles é apenas uma decorrência contínua daqueles anos. Mudaram as formas, o corte das roupas, mas eles, no passado, estavam à altura de sua época. A Depressão econômica tinha passado, como um grande trauma, e não aparecia como o nosso subdesenvolvimento endêmico. Para os americanos, o passado estava de acordo com sua época. Em 42, éramos carentes de alguma coisa que não percebíamos. Olhando nosso passado é que vemos como somos atrasados no presente. Nos filmes brasileiros antigos, parece que todos morreram sem conhecer seus melhores dias.
E nós, hoje, nesta infernal transição entre o atraso e uma modernização que não chega nunca? Quando o Brasil vai crescer? Quando cairão afinal os "juros" da vida? Chego a ter inveja das multidões pobres do Islã: aboliram o tempo e vivem na eternidade de seu atraso. Aqui, sem futuro, vivemos nessa ansiedade individualista medíocre, nesse narcisismo brega que nos assola na moda, no amor, no sexo, nessa fome de aparecer para existir. Nosso atraso cria a utopia de que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas, ser subdesenvolvido não é "não ter futuro"; é nunca estar no presente.
FIM. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
- ADORO SEPULCROS CAIADOS E LÁGRIMAS DE CROCODILO -
Eu adoro a estética da corrupção. Adoro a semiologia dos casos cabeludos sob suspeita, adoro a reação dos implicados, adoro o vocabulário das defesas, das dissimulações, as carinhas franzidas dos acusados na TV, ostentando dignidade, adoro ver ladrões de olhos em brasa, dedos espetados, uivos de falsas virtudes e, mais que tudo, lágrimas de crocodilo.
Todos alegam que são sérios, donos de empresas "impecáveis". Vai-se olhar as empresas, e nunca nada rola normal, como numa padaria. As empresas sempre são "em sanfona", uma dentro da outra, en abîme , sempre têm holdings, subsidiárias, são firmas sem dono, sem dinheiro, sem obras, todas vagando num labirinto jurídico e contábil que leva a um precioso caos proposital, pois o emaranhado de ladrões dificulta apurações.
Me emociona a amizade dentro das famílias corruptas, principalmente no Nordeste. Ohh, Deus! Lá, creio eu, há mais amor do que entre picaretas paulistas ou cariocas. Lá existe uma simbiose maior no parentesco, mais calor humano, mais "fio de bigode". São inúmeros os primos, tios, ex-sócios, ex-mulheres que assumem os contratos de gaveta, os recibos falsos, todos labutando unidos, como Ali Babás sincronizados. Baixa-me imensa nostalgia de uma família que não tenho e fico imaginando os cálidos abraços, os sussurros de segredo nos cantos das casas avarandadas, o piscar de olhos matreiros, as cotoveladas cúmplices quando uma verba é liberada pela Sudam em 24 horas, os charutos comemorativos; tenho inveja dos vastos jantares nordestinos, repletos de moquecas e gargalhadas, piadas, dichotes, sacanagens tão jucundas, tão "coisas nossas", tão "alagoas", que me despertam ternura pela preciosidade antropológica de imagens como a piscina verde em Canapi, a barriga de Joãozinho Malta (lembra m?), a careca do PC Farias e as sobrancelhas de Jader. Esses signos e símbolos muito nos ensinaram sobre o Brasil real.
Adoro também ver as caras dos canalhas. Muitos são bochechudos, muitos têm cachaços grossos, contrastando com o style dos populares magros de seca, de fome, proletários chiques, elegantérrimos pela dieta da miséria.
Todos acumulam as mesmas riquezas: piscinas, fazendas, lanchões, miamis, todos têm amantes, todos têm mulheres desprezadas e tristes, com filhos oligofrênicos, deformados pelas doenças atávicas dos pais e dos avós.
Aprecio muito os bigodões e bigodinhos. Nas oligarquias, eles não usam a bigodeira severa de um Olívio Dutra, babando severidade, com um eco de stalinismo e machismo gaúcho, não. Os bigodes corruptos são matreiros, bigodes que ocultam origens humildes criadas à farinha d'água e batata-de-umbu, na clara ocultação de um acismo contra si mesmos, camuflando os ancestrais brancos cruzados com índios e negros, raquíticos por séculos de patrimonialismo.
Também gosto muito do vocabulário dos velhacos e tartufos. É delicioso ver a ciranda das caras indignadas na TV, as juras de honestidade, é delicioso ouvir as interjeições e adjetivos raros : "ilibado", "estarrecido", "despautério", "infâmias", "aleivosias"...
São palavras que ficam dormindo em estado de dicionário e só despertam na hora de negar as roubalheiras. São termos solenes, ao contrário das gravações em telefone, onde só rolam palavrões: "Manda a grana logo para o f.d.p. do banco, que é um grande *#@, senão eu vou #@** a mãe deste *#&@."
Outra coisa maravilhosa nos canalhas é a falta de memória. Ninguém se lembra de nada nunca: "Como? D. Sirleide, aquela mulher ali, loura, popozuda, de minissaia? Não me lembro se foi minha secretária ou não".
E o aparente descaso com o dinheiro? Na vida real, eles cheiram a grana como perdigueiros e, no entanto, se justificam: "Ihhh... como será que apareceu um milhão de reais na minha gaveta? Nem reparei. Ahhh... essa minha memória!..."
Adoro também ver as fotos das placas da Sudam. Sempre aparece um terreno baldio com a placa da Sudam e o nome pomposo da empresa fantasma, onde, às vezes, ao longe, um burro pensativo pasta...
E o objetivo "social" dos financiamentos da Sudam, da Sudene? Nunca é uma empresa para desenvolver algo; são ranários de 10 milhões, fabricas de componentes para piscinas, empresas de ursinhos de pelúcia, ou esta maravilhosa Usimar, que ia custar um bilhão de reais para fazer peças de carro, mais caro que três General Motors na caatinga.
Amo também ver o balé jurídico da impunidade. Assim que se pega o gatuno, ali, na boca da cumbuca, ali, na hora da mão grande, surgem logo os advogados, com ternos brilhantes, sisudos semblantes, liminares na cinta, cínica serenidade de cafajestes e, por trás deles, vemos as faculdades malfeitas, as chicaninhas decoradas, os diplomas comprados.
E logo acorrem os juízes das comarcas amigas, que dão liminares e mandados de segurança de madrugada, de pijama, no sólido apadrinhamento oligárquico, na cordialidade forense e freguesa, feita de protelações, desaforamentos,instâncias infinitas, até o momento em que surge um juiz decente e jovem, que condena alguém e é logo chamado exibicionista"...
Adoro as imposturas, as perfídias, as tretas, as burlarias, os sepulcros caiados, os cantos de sereia, as carícias de gato, os beijos de Judas, os abraços de tamanduá.
Adoro tudo, adoro a paisagem vagabunda de nossa vida brasileira, adoro esses exemplos de sordidez descarada, que tanto nos ensinam sobre o nosso Brasil.
Sou-lhes grato pelas sujas lições de antropologia, verdadeiros "gilbertos freyres" da endêmica sem-vergonhice nacional.
Só um sentimento me atormenta o coração: não sei porquê, também me passa pela cabeça a imagem dos corruptos chineses condenados e ajoelhados no chão, com o soldado alojando-lhes uma bala de fuzil na nuca.
Penso nestas cenas e sinto uma grande inveja da China. Por que será?
FIM. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
- AS PÉROLAS PESCADAS NO EXCREMENTO - Toda hora ouço esta pergunta nas ruas e botequins: “E aí, seu Jabor, como é que fica?”. “Não fica — respondo — nada se fecha na História...”, declaro gravemente para boquiabertos negões que não tiveram a fortuna de estudar dialética na USP. No entanto, estamos num momento histórico importantíssimo no Brasil. Sinto uma bruta indigestão diante de tudo que comi no ano de 2005, com o maior escândalo de nossa História. Ando com vontade de vomitar, diante de fatos como o daquelas vagabundas do MST destruindo 20 anos de pesquisas da Aracruz, com o suíno barbudo do Stédile dizendo que são heroínas, ele, criado pelos bispos ignorantes da Pastoral da Terra (aliás, ninguém vai prender esse cara?). Tenho ganas de assassino ao ver o Pf. Luizinho saltitante na Câmara, o Janene armando fuga com aposentadoria, enquanto o Lula faz cara de lorde que nada sabia, ao lado da rainha da Inglaterra. O Brasil esta virando um bolo fecal... (desculpem as imagens intestinais, mas é o que me resta, caros leitores). Mas sejamos “dialéticos”: vem aí uma nova fase. Não acabou em pizza. De novo me desculpem, mas a merda foi-nos utilíssima. Gosto muito da expressão do Oswald de Andrade “a contribuição milionária de todos os erros”, que descreve, em outro contexto, a forma fortuita, volúvel de o país progredir. Nunca nossos vícios ficaram tão explícitos quanto nos últimos meses. Aprendemos a dura verdade num congestionamento de descobertas, como um rio sem foz, onde as sujeiras se acumulam sem escoamento. Finalmente, nossa crise endêmica está sujamente clara, em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio como uma galinha.
Assim, tento fazer a lista das vantagens do esterquilínio, das belezas do excremento, das pérolas que a lama podre revela. O Brasil evolui de marcha a ré. Mas esta diarréia esfuziante que temos visto grava na consciência nacional alguns insights novos que, pelo avesso, ajudam a nos esclarecer. Vamos lá.
A primeira conquista da merda é que já aprendemos que a corrupção e a sordidez no país não são um “desvio” da norma, não são pecados ou crimes casuais. Já sabemos que o crime “é” a norma, que está tudo entranhado na nacionalidade, nos códigos jurídicos, nas leis, nas almas.
Outro avanço é que também aprendemos a mecânica da escrotidão: a técnica de roubar o Estado para fins políticos, como os fundos de pensão perdem de propósito no mercado financeiro, como desviam 400 milhões para bancos fajutos em troca de maracutaias, como se faz superfaturamento em publicidade estatal, como se monta um esquema “revolucionário” de mensalão, como se nega tudo sempre, como nada prova nada e como depois os advogados oficiais desculpam tudo como “caixa de campanha”. Creio que os mecanismos de controle vão se aperfeiçoar, junto com nosso des-asnamento .
Outro grande avanço é vermos, como disse Bobbio, que nada une tanto a esquerda atrasada e a direita visceral como o ódio à democracia.
Mais uma pérola: acabou o mito do “iluminismo proletário”, acabou a idéia de que o “povo” encerraria uma mensagem de sabedoria e pureza. Descobrimos com dor (uivem, populistas...) que o “povo” é fraco, doente, ignorante e que só a educação e saúde no crescimento podem criar o progresso. Foi importante descobrirmos que Lula, o messias dos intelectuais, revelou-se apenas um alpinista social bem-sucedido, competentíssimo em cinismo político e gênio do marketing popular — o que deve reelegê-lo, já que a “economia, estúpidos!” foi a única coisa que funcionou, surrupiada do governo anterior, graças a Deus.
Outra pérola foi a indigência prática de tantos intelectuais medalhões, sua falta de contato com a realidade, sua erudição vazia, quase criminosa.
Outro bem que a bosta nos fez (o principal) foi a expulsão dos bolchevistas desse governo e vermos que seus fins ridículos e seus meios vagabundos não vão enganar mais tão facilmente as pessoas. Constatamos que não foi o PT que destruiu a “esquerda”, foram as velhas idéias de “esquerda” que destruíram o PT.
Claro que os cassados serão poucos, mas a perda de poder do José Dirceu foi o fato histórico mais importante, pois ele era o único líder antigo que ainda comandava a dialética da estupidez. A permanência de Dirceu, Genoino e outros bolchevistas sem causa podia pôr em risco as conquistas da democracia dos últimos 20 anos e arrasar o sistema atual — sem dúvida excludente e injusto — em nome de um “frankenstein” maluco feito de teorias do século XIX. Em 2010, poderíamos estar diante do caos de 30 anos atrás, se o Bob Jefferson não tivesse nos “salvado” — espero em Deus.
Aprendemos também que não há “futuro” — só uma sucessão de “presentes” que têm de ser permanentemente enfrentados e corrigidos. Aprendemos que “utopia” é uma palavra ridícula, e que o certo é “planejamento”, administração do possível, projetos democráticos e realistas.
Outra pérola tirada da bosta é a clareza de que o Estado patrimonialista, inchado, burocrático é que nos come a vida. Todos os críticos da economia sabem disso: enxugar os gastos públicos. Mas ninguém consegue. Ao menos, já conhecemos melhor o “inimigo principal”, como diziam os maoístas.
A descoberta que mais me chocou pessoalmente é que não havia um mínimo de candura, de romantismo nos petistas que eu mesmo imaginava “éticos”. Nunca pensei que casos tenebrosos como o massacre de Toninho do PT e Celso Daniel seriam ocultados com empáfia, depois de reuniões leninistas nas longas noites da Executiva.
Aprendemos, creio, que agora a modernização do país tem de ir muito mais fundo, além da estabilidade monetária conseguida pelos tucanos, que precisa ser formulada uma nova plataforma que dê conta da paralisia ibérica que nos assola. Um projeto democrático mais militante e social, com muito mais coragem para contrariar interesses, isso, se os tucanos forem eleitos e conseguirem acabar com o Hamlet que lhes vai na alma.
E se Lula for reeleito, só resta rezar para que não venha aí um populismo devastador para alegrar o Chávez e ocultar sua incompetência.
FIM. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
O que filmar sob uma tempestade de imagens?
O cinema não é mais a sétima arte
Arnaldo Jabor
[email protected]
Hoje em dia, trabalhando como jornalista e comentarista (sou uma espécie de "vendedor de sentido"), muita gente chega para mim e diz: "Como é? ... Você não vai voltar a fazer cinema?" "Sei lá", respondo. "Mas, você não era um "cineastra?" (muitos usam esta palavra-valise de diretor-de-cinema com pederasta - talvez o seja, já levei tanto ferro...). Sorrio, humilhado, e penso: "Que cinema? Comercial, metafísico, político, experimental? O quê?" Retratar o quê? Com que fim? Para a moral, para a politica? Como construir algo com esperança num mundo que se desfaz? Mas vou filmar, depois de 17 anos em jejum, porque não agüento mais somente comentar o óbvio, o comportamento torto do país. Não sei se é uma boa notícia ("mais um abacaxi!" - dirão meus inimigos...).
Assim que resolvi, lembrei do sofrimento de fazer filmes. Os cineastas tinham dois sentimentos básicos: a ansiedade e a frustração. 1) Onde arranjar dinheiro? 2) O filme dará dinheiro? Em geral, nem uma coisa nem outra. Mas o cinema nos cobria com um manto heróico, o mito do "diretor" que compensava nossa dor, que confundíamos com vicissitudes "revolucionárias". Às vezes, o orgulho vinha mais das desgraças da produção do que da qualidade poética da "mise-en-scène".
Já contei isso aqui - presenciei muitos campeonatos de cineastas no bar, competindo em sofrimento: "Eu? Passei dois meses no sertão comendo calango para terminar o filme e quando voltei tava tudo fora de foco..." O outro retrucava: "E eu? Morreram dois atores na filmagem, parou tudo e minha mulher me largou pelo meu assistente!" Eu também sofri. Por exemplo: eu estava na ilha de Itaparica, onde rodei meu primeiro filme, histórico, com 500 figurantes, índios, negros, 12 atores em cena, passado no século XVI, filmado por um garoto (eu) de 27 anos que nunca tinha visto um ator na vida (só no Brasil...), quando um assistente me gritou: "Os índios estão afundando!" Os índios estavam afundando na lama do mangue onde cismei de trabalhar para justificar meu heroísmo. Os guerreiros índios, impávidos, estavam sendo engolidos pelo brejo. Pescamo-los. Depois de o diretor de produção xingar todo mundo, ouvi um zunzunzum entre os guerreiros do quilombo (tinha quilombo também) e perguntei a um deles o que estava acontecendo. Ele me disse tranquilamente: "É que o pessoal está reunido porque resolveu matar o produtor executivo..." Tive de despedir o cara para evitar o massacre.
Era assim. Na minha casa (alugáramos casinhas na ilha) morava um índio. Um índio consultor. Pois ele brigou com a mulher em Salvador e foi para minha casa, mas levou sua jibóia de estimação. De noite, a jibóia andava pelo chão de cimento, com a linguinha de fora, enquanto o índio chorava sua dor-de-corno em carajá. No campeonato de sofrimentos, eu não estava mal... Só perdi para um amigo que também filmou índio e quando a grana acabou, pedia esmolas à tribo: um ovo, um chuchu, uma galinha pelo amor de Deus...
O dinheiro sempre acabava antes do fim. Sempre. E a gente reformava títulos nos bancos. Uma vez, parei a filmagem no meio para correr ao Rio e pedir uma grana a um banqueiro boa praça. Seu apelido era "Joãozinho Mamãe" - lembram, colegas? Eu tinha vendido minha kombi para pagar o empréstimo. Consigo reformar o "papagaio", saio correndo do banco para pegar o avião e voltar para o inferno da ilha, quando dois colegas de faculdade me param na rua: "E aí, cara? A gente aqui de terno e você comendo todo mundo, hein?... Essas atrizes... Você comeu quem?" Resmunguei, com sorriso maroto, fingindo discrição: "Não posso reclamar...." E enfiei pela avenida, segurando as lágrimas e pensando em formicida.
Mas, volto porque na filmagem experimenta-se uma mágica imitação da vida. Durante dois ou três meses, nada mais doce do que a ilusão de comandar destinos, traçando os rumos de beijos, punhais, redenções e condenações.
Nos anos 60, cinema era tudo. Tenho saudades da fragilidade dos filmes antigos, do cinema tênue- poético. Pouco antes de sua morte, conversei com Louis Malle sobre isso, no Rio - falamos do sonho, da utopia dos anos 60, alimentada pelo "Cahiers du Cinema", pelos círculos de fumaça dos "Gitanes" sem filtro, saudades do "frisson" culto das cinematecas. Era a "vraie vie". Dizem que o filósofo Henri Bergson, assim que viu o cinematógrafo, pensou, pensou e disse: "Eu acho que o cinematógrafo será importante porque poderemos saber, no futuro, como os antigos se moviam". Talvez a "essência" do cinema seja mesmo registrar a morte comendo a vida. Hollywood é um lancinante cemitério de estrelas. São Fred Astaire dança no ar do nada, James Dean anunciava sua morte na interpretação de uma melancolia trágica. Sei como dói amar uma morta - eu que me apaixonei por Brigitte Helm em "Metropolis" e amei as pernas perfeitas de Louise Brooks e Cid Charisse na necrofilia da sala escura.
Na época do Cinema Novo, achávamos que era a única arte que enfrentaria a massificação, pois, sendo uma indústria cultural, furava a muralha da ignorância e poderia ser a arte para todos. O que veio foi a revitalização tecnológica do cinema norte-americano, criando uma falsa arte com os efeitos especiais, os grandes filmes de ação e catástrofe que culminaram no evento real do 11 de Setembro. A vida do "cinema de autor" foi breve. Hoje ainda temos, claro, grandes cineastas e filmes, mas vivem num gueto de onde raramente saem poucas exceções, como Tarantino ou Wong Kar Way.
Restou aos autores um cinema de denúncia, de defesa de minorias, da triste solidão de personagens marginais. Mas os filmes que lutam pela razão ou pelo bem soam vagos e solitários. Seus gemidos são ouvidos, mas nada acontece. Agora, com este mundo aí, nada mais inaudível que os lamentos sobre a insânia do mundo. Temos de partir da insânia e não da razão. E talvez dentro do absurdo e da loucura enxergar a vida que ainda não foi sufocada pela tempestade de imagens. Nunca houve tanto som e imagem. O cinema talvez deva buscar o silêncio e o vazio. E narrar vivências pessoais, as únicas intransferíveis.
Publicado em: 28/10/2008 Fonte : Jornal O TEMPO de Belo Horizonte MG. FIM. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
O debate entre Obama e McCain foi decepcionante
- CHEGOU A HORA DO PRETO NO BRANCO NOS EUA -
Em 1960, Nixon apareceu no debate barbado e com olheiras, enquanto seu adversário Kennedy, lindo e limpo, ganhou. George Bush, pai, olhou o relógio várias vezes, dando a impressão de que tinha vontade de fugir da raia. Clinton venceu. Al Gore teve votos roubados na Flórida pela gangue Bush, sem dúvida, mas parte de sua derrota foram suspiros e gestos excessivos nos debates e seu medo de defender Clinton pelo trágico "boquete" de Monica Lewinsky. Por isso, o debate entre Obama e McCain é um trailer de pequenos indícios que podem definir a eleição norte-americana para além das idéias dos candidatos. Na substância, Obama saiu-se melhor. Mas, frases e opiniões pesam menos que a forma, a aparência, os mínimos sinais nos gestos, o tom de voz, a pele, os tremores do rosto. Uma frase superficial dita com vigor pode pesar mais do que uma reflexão profunda emitida com insegurança. Obama, que é um grande orador, muito melhor que McCain, revelou-se um debatedor tímido, com medo de chocar o idiota médio norte-americano, os habitantes do chamado FOT (flying over territory), que podiam achá-lo "de elite", uma das acusações que a direita lança sobre ele. Obama pareceu intimidado, não pelo velho wasp McCain, mas pelo próprio ritual do debate.
A estrutura do comportamento obrigatório do confronto já favorecia McCain. Em um debate careta, moderado por um careta, num cenário que parecia uma igreja protestante, com uma platéia apagada, regras de comportamento que inibem qualquer rasgo de coragem ou de originalidade irônica prejudicaram Obama. O ritual é obsessivo, excessivamente controlado por regras e movimentos previstos, o que constrangeu o candidato "afro-negão" que prega a mudança, a crítica da cultura, até daquela forma de debate repressivo. Tudo ali favorecia o clichê do pensamento norte-americano médio, onde o careta McCain nada de braçada. Fica difícil para Obama dizer o que realmente pensa. Como pode ele criticar o conservadorismo "conservadoramente", como ser reformista obedecendo ao ritmo lento da cultura da certeza e do controle? Obama não pode ser muito inteligente porque o idiota médio não gosta: "É da elite de Harvard... quer nos humilhar". Obama não pode propor mudanças concretas radicais porque, se bobear, vira "crioulo pernóstico", da esquerda liberal, pantera negra ou muçulmano. Muitos de seus assessores querem que ele tenha mais agressividade, musculatura; mas, como atacar McCain se seu inimigo principal é Bush? Como atacá-lo, se o sagaz McCain também critica Bush , apresentando-se como republicano "light", com as medalhas de ser um "experiente", "herói de guerra"? O grande "crash" econômico da América (que apenas começou) favorece um sujeito como Obama, que propõe o "novo", a mudança? Ou esta crise pavorosa não será uma indigestão de novidades, levando o norte-americano médio a desejar o sossego do já conhecido, com o velho republicano? Enquanto McCain navegava no óbvio, Obama pisava em ovos.
E vai ter de continuar pisando. A voz de McCain, sotaque do Arizona, com um timbre country, soava como uma partitura decorada, no ritmo de ordens-do-dia que os generais despejam nos quartéis, expressando certezas e determinações guerreiras. Por outro lado, Obama, intelectual, não conseguia evitar as pausas, as dúvidas de um pensamento complexo. Isso, longe do púlpito de orador (onde ele é genial), passava a idéia de um vago gaguejar que podia exprimir inexperiência e hesitação. Obama, como negro, não pode nem criticar o racismo endêmico da América. Tem de ser pela "cooperação", o que o faz perseguido pelos negros radicais e ignorantes como seu pastor Wright. E, no entanto, ele não disparou nas pesquisas porque é mulato, sim, ou negro ou queniano de origem, sim. Sim. Há um racismo endêmico na América, que eu conheço bem, pois morei na Flórida profunda em plena segregação racial. Continua a existir, inclusive no debate, um racismo sutilíssimo. O moderador Jim Lehrer - logo no início - deu um toque no Obama: "Olhe para o McCain, quando falar..." - quase uma invisível ordem escravista: "Come on, boy, look at him"... A seu lado estava o maior branco do mundo, um wasp de cabelos brancos, rosto branco, que manteve um sorriso irônico permanente no rosto quando Obama falava, como se pensasse: "Esse neguinho inexperiente não sabe nada..." E não olhou uma só vez para Obama.
Teria o Jim Lehrer coragem de mandar o herói de guerra olhar de frente para o queniano? O racismo resiste na alma norte-americana, mesmo no Norte. Não é a suja arenga dos KKK ou de boçais sulistas. É uma desconfiança com a diferença, um racismo sem cor, um amor à obediência só esquecido em guetos de perversão. Por vezes, Obama parecia desamparado, com um rosto crispado, sem sorrisos, sem conseguir uma única punhalada boa no McCain, que todos esperavam, mundo afora. Ao contrário, Obama declinou de sua postura de reformador do grande erro norte-americano ao concordar várias vezes com McCain, querendo talvez passar imagem de cooperação democrática, de modo a negar a tradição raivosa de ex-escravos. O debate do Mississipi foi decepcionante para o mundo. Foi um debate estritamente norte-americano. Obama poderia (ou poderá) ser uma mudança no clima do Ocidente, poderá ser o fim de um período de boçalidade unipolar. A China, Índia, Rússia, até nós brasileiros somos agora peças de um xadrez novo. E Obama pode ser o anunciador deste tempo, embora saibamos que mesmo a vitória de Obama será uma decepção, pelo tamanho da crise que explodiu. Mas sua eleição traria esperança para os que vivem fora da obsessiva onipotência norte-americana, depois de oito anos de uma anomalia política que mudou o Ocidente. É espantoso o mal que a burrice pôde fazer à América e ao mundo. E que pode continuar a fazer.
Publicado em: 30/09/2008 Fonte : Jornal O TEMPO de Belo Horizonte MG. FIM.